terça-feira, 23 de março de 2010

Jobim, Vannuchi e a memória brasileira



Por Frei Betto

Indignados com o Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado por Lula, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes das Forças Armadas teriam apresentado suas renúncias, recusadas pelo presidente.

Lula teria prometido rever pontos do programa, como os que exigem a instalação de uma Comissão da Verdade, a abertura dos arquivos militares e a retirada, de vias públicas, de nomes de pessoas coniventes com a repressão da ditadura.

O ministro Paulo Vannuchi, de Direitos Humanos, cumpre seu dever de cidadão e autoridade. O Brasil é o único país da América Latina, assolado no passado por ditadura militar, que prefere manter debaixo do tapete crimes cometidos por agentes públicos.

A lei da anistia, aprovada pelo governo Figueiredo, é uma aberração. Anistia se aplica a quem foi investigado, julgado e punido. O que jamais ocorreu, no Brasil, com os responsáveis por torturas, assassinatos e desaparecimentos. Aqueles que lutaram contra regime militar e pela redemocratização do país foram, sim, severamente castigados. Que o digam Vladimir Herzog e Frei Tito de Alencar Lima.

Tortura é crime hediondo, inafiançável e imprescritível. Ao exigir que se apure a verdade sobre o período ditatorial, o ministro Vannuchi e todos nós que o apoiamos não somos movidos por revanchismo. Jamais pretendemos fazer a eles o que eles fizeram a nós. Trata-se de justiça: descobrir o paradeiro dos desaparecidos; entregar às suas famílias os restos mortais dos que foram assassinados e enterrados clandestinamente; comprovar que nem todos os militares foram coniventes com as atrocidades cometidas pelo regime; livrar as Forças Armadas da influência de figuras antidemocráticas que exaltam a ditadura e acobertam a memória de seus criminosos.

O presidente Lula não merece tornar-se refém dos saudosistas da ditadura. É a impunidade que favorece, hoje, a prática de torturas por parte de policiais civis e militares, como ocorre em blitzen, delegacias e cadeias Brasil afora.

Inútil os militares tentarem encobrir a verdade sobre o nosso passado. Até no filme de Fábio Barreto, “Lula, o filho do Brasil”, a truculência da ditadura é exposta em cenas reais e fictícias. “Batismo de sangue”, de Helvécio Ratton – o filme mais realista sobre o período militar – revela como jovens estudantes idealistas eram tratados com uma crueldade de fazer inveja aos nazistas.

Anistia não é amnésia. O Brasil tem o direito de conhecer a verdade sobre a guerra do Paraguai, Canudos e a ditadura instalada em 1964. Bisneto e neto de militares, sobrinho de general e filho de juiz de tribunal militar (anterior ao golpe de 64), gostaria que os nossos Exército, Marinha e Aeronáutica fossem mais amadas que armadas.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com L. F. Veríssimo e outros, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros. 

Texto originalmente publicado na edição Nº 155, Fev. 2010 da revista Caros Amigos.

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