sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pequena história dos omissos



Por Ferréz

10 pras três da madrugada
Sem conseguir dormir
Que hora vou ligar pro terminal
Pro ônibus poder buscar
Quem no meio do caminho vou multar
Me empurrar, um homem pelo meio
Na periferia tumultuada sem calçada
Numa sociedade que não valoriza nem o inteiro
Se a deficiência tá em mim, porque porto ela assim
Falta de rampa, falta de acesso
Espaço garantido pela lei para trabalhar
Mas todos riem do esforço que faço pro salário honrar
Eu desço a avenida pra pedir uma informação
Encosto a cadeira, e o motorista diz que não tem um tostão
Tenho pena da deficiência dele em entender
Que o cadeirante não é dependente de sua esmola pra viver
O aleijado, mutilado é aquele que não faz nada pelo próximo
Cada um de nós, uma história, mas todos olham para as rodas
Sofrem não por mim, mas quando se imaginam no meu lugar
Andam de carros que sufocam o bebê
Compram tênis que mutila a criança
Correm muito para perseguir o tempo perdido
É nessa hora que eu entendo meu papel nisso
Pego meu caderno, escrevo algumas frases
Nesse texto eu jogo bola e caminho a largos passos
Escrevo sobre olhar um pássaro, com defeito na asa
Que merece ser tratado com carinho, pra voltar pra casa
Em meio a soldados da mentira
Mensageiros da hipocrisia
O ser humano é complicado
Constrói, destrói, altera o planeta
Usa todo o conhecimento não para a cura
Mas pra promover a diferença
Consegue chegar até em outro mundo
Mas não me faz sonhar em andar por um segundo
Calma! A história não termina tão triste
Com meu protesto, escrevo, invento e canto um mundo com mais compromisso
E mano, fica tranquilo, mesmo de cadeira de rodas
Eu chego mais rápido do que os omissos.

Ferréz é escritor e hoje vive com a esposa e uma filha num país chamado periferia. Texto publicado na edição Nº 156, Mar. de 2010.

Texto originalmente publicado na edição Nº 156, Mar. de 2010 da revista Caros Amigos.

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