sexta-feira, 2 de abril de 2010

O conluio dos três poderes antidemocráticos




Por João Pedro Stedile

A democracia verdadeira está relacionada com a possibilidade de cada cidadão, todos e todas, terem acesso ao direito à terra, ao trabalho, à renda necessária para uma vida digna, à educação, saúde, moradia digna, cultura e lazer. É evidente que a sociedade brasileira está muito longe dessa situação democrática.

Mas eu gostaria de chamar atenção para outro viés antidemocrático da sociedade brasileira - os três poderes, reais, que exercem enorme controle sobre nossa sociedade: as grandes empresas capitalistas, os meios de comunicação e o poder judiciário. Nenhum deles é eleito ou possui alguma forma de controle por parte da população. Ou seja, fazem o que querem sem que a população tenha o direito de reclamar.

Nos últimos tempos foi se formando um verdadeiro conluio entre esse três poderes para defender os interesses de uma classe dominante cada vez mais rica, concentradora e desumana. Os grupos que controlam os meios de comunicação geram uma versão na sociedade sobre um fato e induzem o poder judiciário ou o Ministério público a agir. Disso podem resultar processos, criminalização, uso da polícia ou escárnio público.

Vejam o caso da ocupação que o MST fez da fazenda grilada pela empresa Cutrale. As terras são públicas, da União. Mas a Globo transformou o caso num crime hediondo. a juíza de plantão pediu a prisão de 51 pessoas. E a polícia civil e militar do governo Serra fez o serviço com ares de espetáculo. Depois o Tribunal de Justiça mandou soltar os presos, tal a injustiça. Mas a Globo não repercutiu. E a "sociedade" já tinha formado a sua opinião.

O governo editou um novo plano de direitos humanos, resultado de amplo processo de consultas que envolveu milhares de pessoas. Não há nada no plano que fira a Constituição; ao contrário, é apenas a junção de propostas para viabilizá-la. Nada muito diferente do que o governo FHC já editou no Plano I. Mas agora a Globo e setores do judiciário transformaram o plano em inadmissível.

Lembram-se do tratamento dado à legalização das terras indígenas Raposa Serra do Sol? Ou como a Globo e as empresas grileiras de terras públicas exigiram a suspensão da legalização de terras quilombolas, determinada pela Cinstituição? E o apoio aos transgênicos? A Anvisa localizou 250 mil litros de venenos agrícolas adulterados e contrabandeados na fábrica da Syngenta. Mas a imprensa e o poder judiciário ficaram calados, protegendo seus verdadeiros patrões.

 Na política internacional é vergonhoso o tratamento discricionário dado a presidentes democraticamente eleitos, como o da Venezuela e Irã. Devemos refletir sobre como o Estado e a República brasileira foram sequestrados por três poderes antidemocráticos.

João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina Brasil.

Texto originalmente publicado na edição Nº 156, Mar. de 2010 da revista Caros Amigos.

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